21 outubro 2006

Muito além do tubo de ensaio

Muita gente ainda pensa que cientista é aquele “ser esquisito”, enfiado no laboratório, desligado ou desinteressado do mundo exterior.
Quanto aos geneticistas (como eu), é ainda muito pior: “Estão tentando clonar seres humanos, matando embriões, manipulando genes, interferindo no ambiente, tentando brincar de Deus!”. E, na realidade, não é nada disso.
Somos pessoas iguais a todo mundo: amamos, rimos, sofremos, gostamos de ir ao cinema, brincar, ter amigos... Temos interesse sobre que está na moda (mesmo que, muitas vezes, não tenhamos tempo para ir atrás!). Até gostamos de fofocar!
Mas, no lugar de querer saber quem está namorando quem, ficamos excitadíssimos ao descobrir, por exemplo, que quando a proteína X não interage com a Y, podemos ter uma doença muscular. Ou, quando possível, gostamos de participar das decisões políticas -- que podem afetar tanto as pesquisas quanto a nossa população.
O que nos move é uma enorme curiosidade de tentar entender os fenômenos biológicos que se passam o tempo todo no nosso corpo, a fim de descobrir coisas novas.
Essa tríade “curiosidade–fenômeno–possibilidade de descoberta” se torna um berçário de questões -- e são elas que nos motivam a pesquisar, dia após dia.
São dúvidas que, confesso a vocês, freqüentemente nos perseguem também à noite ou nos fins de semana. Trata-se de um processo sem fim; porque, a cada resposta, abre-se um leque de novos questionamentos.
É justamente esse o fascínio da pesquisa. Como geneticistas, queremos saber quantos genes temos, o que eles fazem, como interagem com o ambiente. No caso daqueles que trabalham diretamente com doenças (como eu), tentamos incansavelmente remeter nossas descobertas a um propósito maior: ajudar aqueles que sofrem. Lutar para melhorar sua qualidade de vida, procurar uma cura!
E vocês, leitores? Não gostariam de saber para que serve toda essa pesquisa? De compreender como os resultados desses novos avanços científicos, tão divulgados pela mídia (Projeto Genoma Humano, clonagem humana, terapia celular com células-tronco, seleção de embriões) irão afetar o nosso dia-a-dia?
Para que servem os bancos de cordão umbilical? Quais são suas aplicações médicas? E suas implicações éticas? Será que o Projeto Genoma Humano irá responder algumas perguntas que nos atormentam,como: por que ficamos doentes, engordamos, envelhecemos, morremos, reagimos diferentemente a medicamentos? Ou quanto os nossos genes influenciam a nossa personalidade e comportamento? Como funcionam a nossa memória, nossos sentimentos, nossas emoções?
E o mais importante: será possível, no futuro, manipular tudo isso?
Quais são os limites éticos? O que é verdade e o que é ficção?
Tempos atrás conheci uma jornalista francesa, Caroline Glorion, que me entrevistou sobre aspectos éticos relacionados aos avanços da genética.
- Quanto esses assuntos são debatidos em sociedade?
- Muito pouco, respondi.
Infelizmente estão restritos a ambientes acadêmicos...
Contudo, acho que todos deveriam participar.
Essa é exatamente a proposta dessa coluna. Relatar histórias de pacientes (vivenciadas durante o aconselhamento genético), que trazem questionamentos fundamentais: éticos, culturais, sociais, emocionais. Traduzir em linguagem acessível diversos assuntos científicos.
Queremos auxiliá-los a compreender melhor esse meio e suas respectivas incógnitas; bem como convidá-los a opinar, criticar, interagir conosco.
Mais que isso: buscamos principalmente estimulá-los e encorajá-los a participar de decisões políticas, que dizem respeito a todos nós: cidadãos. Mayana Zatz
Fonte: G1